Seguindo minha idéia de, primeiramente, falar em “assuntos gerais” da oncologia antes de querer entrar em assuntos mais técnicos como tratamentos e prevenção de doenças, optei por discutir outro assunto que é extremamente difícil para o oncologista e para as pessoas como um todo: A morte.
Quem já leu livros como “Por um Fio”, de Dráuzio Varella, ou “Sobre a Morte e o Morrer”, de Elizabeth Kubler-Ross, já consegue ter uma base do que estou querendo dizer, mas o que quero passar a vocês são, estritamente, as minhas impressões pessoais sobre esse assunto, tão corriqueiro na vida de todos e ao mesmo tempo tão pouco discutido.
Em quase 100% das vezes que digo a alguém que sou oncologista a resposta (que geralmente vem depois de uma careta) é alguma coisa no sentido de “Nossa que coisa triste!” ou “Como vocês conseguem?” ou “Puxa, tem que ser muito frio para conseguir viver como vocês”.
Será verdade? Bem, no meu primeiro ano de medicina ganhamos uma camiseta que dizia “Divinum Opus est Sedare Dolorem”, em Português -- “O mais divino é sedar a dor”. Essa é uma frase muito antiga, e prestem atenção no que ela diz: mais importante é aliviar o sofrimento, e é para isso que estamos aqui. Se conseguirmos curar, se conseguimos salvar alguém, isso é um bônus. A verdadeira vitória e missão do médico, na minha visão, é a de aliviar o sofrimento, feito que conseguimos mesmo nos piores e mais irremediáveis casos. Morrer com dignidade, sem dor, na maioria das vezes é tão importante quanto salvar alguém.
Existe um termo na medicina que se chama distanásia. Diferente da eutanásia, que é a abreviação da vida para evitar sofrimento (com todas as implicações éticas cabíveis), a distanásia é o prolongamento da vida a custo de sofrimento. É a situação onde a morte deveria ocorrer naturalmente, mas o médico, (por ansiedade, despreparo ou negação), opta pela reanimação, entubação, medicamentos, ou outros procedimentos que prolongam a vida, mas sem a previsão de qualquer melhora do paciente. Essa pessoa vai “viver” por mais algum tempo, mas em condições deploráveis, aumentando ainda mais o sofrimento seu e de sua família.
Na oncologia vemos muito disso. Á nossa volta encontramos muitos médicos que se recusam a aceitar que não são Deus e tentam manter a vida a qualquer custo, com os prejuízos que citei acima. A situação ideal é a ortotanásia, ou seja, o reconhecimento das nossas limitações como humanos, e a busca pela morte digna, no seu momento certo, nem antes e nem depois da hora. Muito se discute sobre a ortotanásia hoje em dia, e as leis cada vez mais estão abordando favoravelmente esse tipo de situação, inclusive com o apoio da igreja.
Respondendo agora às perguntas que vivem me fazendo: Como consigo viver assim? Como consigo dormir de noite e não chorar? Primeiramente, o contato com a morte é apenas parte do nosso dia. Com o avanço da medicina cada vez mais os nossos pacientes se curam, e só isso já é motivo para não desanimarmos. Em relação ao problema em questão, eu consigo viver muito bem, não choro de noite e nem deixo de comer nas horas certas. Eu simplesmente não trago a dor do paciente ou de sua família comigo.
Entender a dor do paciente e não senti-la é o segredo dos bons oncologistas e médicos em geral que conheci. Se você sente a dor de outra pessoa você sofrerá junto com ela e não mais conseguirá ajudá-la com a cabeça fria, tão necessária nessa hora. Na residência médica meu amigo uma vez me falou: “Se a pessoa te abraça e chora, é porque ela está vulnerável e precisa de ajuda. Se você chora junto é porque você também precisa de conforto, e sua missão ali é ajudar, e não ser ajudado”. Ter empatia, portanto, para mim é o mais importante. Sofrer junto não ajuda ninguém e em longo prazo estraga a carreira e a saúde de qualquer um.
Essas coisas estão longe de ser fáceis, e realmente não é todo mundo que consegue. Um exemplo é aquele médico que não dá a mínima para o paciente, gosta de dar tempo de vida (“você tem seis meses de vida, tenha um bom dia”), faz consultas curtas e secas. Esse profissional, na minha opinião, é a pessoa mais insegura de todas. Não consegue encarar os sentimentos dos outros e nem os seus próprios, e por isso solta a bomba no colo do coitado do enfermo e fecha a porta do consultório para não ouvir o estouro.
Todo mundo conhece a prece “Deus, dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar coragem para mudar as coisas que eu possa, e sabedoria para que eu saiba a diferença.” Apesar dela estar em oito de 10 frases de Orkut, são poucas as pessoas que realmente buscam serenidade, coragem e sabedoria e elas são para mim, a essência da boa medicina.
Olá Bruno...
ResponderExcluirMais uma vez ótimo texto. Algumas colocações aparecem de modo bem pertinente.
Ao falar que se trabalha com pacientes oncológicos, o imaginário social flui além da conta, vem esse sentimento de que os profissionais da area são frios ou então sofrem o tempo todo com seus pacientes!
Acredito que a chave desse texto é a qualidade da morte. Proporcionar ao paciente uma morte digna, em paz. Não tem trabalho melhor do que este. Saber compreender, apoiar e fazer o paciente encarar a morte de forma serena. Fazer a família participar dessa etapa junto ao paciente. O paciente morre e uma parte da família também morre. A família por vezes não se dá conta disso. É o paciente sentindo o seu corpo parando e sofrendo sozinho no leito..e do outro lado, a família, do lado de fora do quarto, "escondendo" do paciente toda a tristeza. Reforçando uma falsa crença de que "tem que ser forte".
Só pra finalizar, fazendo uma citação de Kübler-Ross,1975 ( Morte, o estágio final da evolução), da qual gosto bastante:
"Estou convencida de que essas experiências com a realidade da morte enriquecem mais a minha vida do que quaisquer outras experiências que haja tido. Significa encarar a questão básica do significado da vida. Se realmente desejamos viver, devemos ter a coragem de reconhecer que a vida é, no final das contas, muito curta, e que tem importância tudo que fazemos. No entardecer de nossa vida queremos esperançosamente ter a oportunidade de recordar e dizer - Valeu a pena, realmente vivi."
Abraços!
Olha, parabéns mais uma vez. Seus textos são ótimos e tudo seria beeeeeeeeeeeem diferente se não só os oncologistas, mas os médicos em geral tivessem sua sensibilidade e olhar.
ResponderExcluirAbraços e tudo de bom!
Adelane
Oi Bruno!
ResponderExcluirTe sigo no twitter e estou passando aqui pela primeira vez!
Sou psicóloga, estou terminando minha pós em psicologia hospitalar e como você escuto todas estas frases quando conto que trabalho com pacientes com câncer (principalmente com crianças com câncer).
Acho que o que nós, profissionais de saúde (e aqui incluo toda equipe de saúde, não só os médicos), precisamos é descer do Olimpo, onde vivem os deuses, para nos aproximarmos de forma humana de nossos pacientes.
Aquela questão da empatia, tão amplamente discutida e nem sempre praticada. Porque quando nos colocamos no lugar do outro temos que lidar com os nossos próprios medos, receios e inseguranças. E será que vamos dar conta? O que vamos fazer com isso tudo que está no paciente, mas que também existe em nós? Será que é melhor simplesmente negar?
Tem uma frase que acho que perfeita “A impotência numa equipe de saúde não é delito mas a insensibilidade é inadmissível”
Parabéns pelo blog! Aguardo os próximos posts!
Uia, Brunão! Até que você é meio inteligente! Acho que vou ser menos amigo do seu pai e mais seu amigo! Um abraço
ResponderExcluirNão faça isso Ricardo! vá por mim: não vale a pena.
ResponderExcluireeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
ResponderExcluirBruno,
ResponderExcluirEstou adorando seu blog ... Gosto muito do jeito como escreve e a forma que se expressa. A morte e o processo de morrer não é um assunto facil, todos nos somos responsaveis para que essa etapa seja finalizada da forma mais tranquila e com respeito ao paciente ... e esse respeito ao paciente é escutando seus ultimos desejos, incluse de nao faze-lo sofrer.E tudo se resume as sabias palavras do seu amigo ... “Se a pessoa te abraça e chora, é porque ela está vulnerável e precisa de ajuda. Se você chora junto é porque você também precisa de conforto, e sua missão ali é ajudar, e não ser ajudado”. Parabens pela iniciativa!! Abraço
Caro, boa noite.
ResponderExcluirLi os posts. Câncer faz parte de minha vida diária como faz da sua. Você do lado clínico, ou cirúrgico, não sei, e eu ao lado duma paciente. Minha mãe foi diagnósticada com câncer de mama em fase aguda em janeiro do ano passado. Tomou toda mama direita e a metástase pulmonar tratou de cobrir ambos pulmões. Contrariando todos os prognósticos cruéis de 4 oncologistas, mamãe vive. E vive muito bem. Passou por um ano de quimioterapia neoadjuvante cujos seis últimos meses nos levavam a cinco horas de paciência nas sessões. Os seis primeiros meses foram ciclos de 28 dias. Em abril fez a ressecção do tumor, passou por mastectomia total da mama direita. E existem os pulmões. Que dou tanta atenção como quem segura uma muralha em ruínas. Muitas coisas passamos juntos.
E como muito há que se dizer, escrevi um livro, Miss Mignon Mappim. E também decidi escrever um blog, Virgem em Câncer e Lua na Esperança!, para ajudar aqueles que se depararam com um diagnóstico de câncer. Comecei a escrever o blog depois dum sonho. O sonho e os heróis.
Virgem em Câncer e Lua na Esperança! é espaço para ajudar pacientes, ou familiares destes, que se defrontaram com o diagnóstico de câncer. O Blog reúne dicas para prevenção, exames a serem feitos, tratamentos utilizados, hospitais para buscar ajuda, tópicos sobre alimentação para pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico e contatos.
Seu Blog já está em uma das categorias do meu.
Para você ainda digo que a palavra morte foi riscada da ação em Virgem em Câncer e Lua na Esperança! O meu blog é para combatentes. Contudo entendo sua posição, abordar a morte não deve ser simples. Mas o amor, Doutor, me impede de fazer coro contigo.
Agradeço a atenção. E a eventual visita.
Abraços,
Ricardo Menacker
Virgem em Câncer e Lua na Esperança!
www.virgemcancer.wordpress.com
Blog para neófitos em neoplasia maligna