quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sobre Oncologia e Ciência- parte 2

Nota- estou tentando editar esses textos para ficarem melhor visualmente, mas algo nesse blogspot nao está me permitindo. Assim que descobrir o que é melhorarei o aspecto dos textos ok?


Os estudos em humanos vem em 3 fases. Os de fase I vêm logo após as pesquisas “pré-clinicas” (em animais, células ou outros agentes de teste), e servem basicamente para avaliar a dosagem segura da medicação. De maneira geral, envolvem poucos pacientes. Os de fase II são maiores em vários aspectos. Com a dose já definida, administra-se nas pessoas e se observam resultados, como redução do tumor, efeitos tóxicos, etc. Os de fase III são de grande porte, e são eles que mudam nossa conduta de consultório. Pega-se a medicação em avaliação e compara-se com o melhor tratamento vigente no momento. Basicamente formam-se grupos (“casos e controles”) com diferentes esquemas de tratamento e faz-se uma comparação


Existem implicações éticas muito interessantes, e o rigor de monitorização é extremamente alto. Por exemplo, não há como privar um grupo de pessoas do melhor tratamento existente para testar outra medicação de eficácia desconhecida. A solução para isso é dar o melhor tratamento para todo mundo e ADICIONAR a droga em teste em um dos grupos, com isso todos estarão bem tratados.


Outra salvaguarda interessante são as análises de segurança. Caso se perceba que o grupo em teste está sendo mais prejudicado por efeitos tóxicos intoleráveis, o estudo acaba antes da hora. Por outro lado, caso note-se que as pessoas em teste estão indo MUITO melhor que o grupo de controle, encerra-se a pesquisa e todo mundo passa a receber a nova medicação.


Esse tipo de atividade geralmente é financiada pelas indústrias farmacêuticas, sendo extremamente interessantes especialmente para pacientes do SUS, ocasionalmente privados dos melhores tratamentos, mas quando incluídos em pesquisa clinica passam a receber o que há de mais novo na ciência mundial. Existem centros de estudos em quase todas as capitais, mas a quantidade ainda é pequena, considerando a demanda de pacientes que temos no país. Aqui em Londrina, por exemplo, está sendo criado um centro dentro do Hospital do Câncer, após décadas de história do hospital.

O retorno...

Olá!


Antes de mais nada um agradecimento ao repórter Thiago Nassif por ter citado meu humilde blog na Folha de Londrina :-)

Em segundo lugar minhas desculpas pela minha ausência prolongada. Muitas coisas relacionadas à saúde aconteceram em Londrina recentemente, e nenhuma foi boa. Isso me deixou um pouco desanimado em escrever, mas estou de volta a ativa!

Vou retomar a segunda parte do que eu planejava falar, que era pesquisa clinica e oncologia. Depois disso estou aberto à sugestões sobre tópicos, é só comentar aqui.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobre Oncologia e Ciência

Confesso que demorei mais do que esperava para fazer esse próximo post. Nunca imaginei que falar sobre morte é mais fácil que falar sobre ciência para leigos. Basicamente minha intenção será explicar para vocês por que tomamos as decisões que tomamos, seja na esfera terapêutica quanto profilática ou diagnóstica.

Tudo o que fazemos na medicina é baseado em ciência. Nossas decisões, nossos estudos, nossos norteamentos, sempre são embasados em fundamentos científicos. Embora isso possa soar um pouco “etéreo”, esse tipo de raciocínio é o alicerce de qualquer ação tomada no nosso dia a dia

Por que prescrevi a droga A, que faz cair cabelo, em vez da droga B que é um comprimido tranqüilo de tomar? Por que peço apenas uma mamografia anual em uma mulher se na outra peço tomografias trimestrais, ressonância e PET-Scan? Questionamentos assim são freqüentes, especialmente após o paciente ter ficado na sala de espera do consultório comparando seu tratamento com o de outro que estava sentado ao seu lado.

Obviamente essas decisões não são aleatórias, elas vêm de uma linha de raciocínio que é a “medicina baseada em evidências”. Explico: acreditamos naquilo que foi testado, comparado e comprovado. Se perguntam a um cientista se a garrafada comprada na feira cura câncer a resposta ideal é “não sei”, simplesmente porque a garrafada nunca foi testada ou comparada com um tratamento comprovadamente eficaz.

A falta de ciência na tomada de decisões pode variar de inócua a perigosa. Muitas vezes o paciente me diz que parou de tomar o remédio de enjôo porque achou um suco de frutas sensacional que está funcionando muito melhor que o remédio. Existe ciência nisso? A princípio não, mas o tal suco está resolvendo o problema do paciente. Quem sou eu para dizer que o suco não faz efeito?

Por outro lado, não há escassez de pessoas que irão se aproveitar do desespero do paciente para vender milagres, algumas vezes até orientando que se abandone o tratamento com o médico para seguir com o “milagreiro”. Nesses casos eu me posiciono contra, e deixo bem claro minha opinião. Não me incomodo que o paciente faça suas simpatias, siga suas superstições. O que não se pode é abandonar a ciência por completo. Já vi gente pagar um preço alto demais por causa disso.

No próximo post vou falar sobre como são feitos os estudos científicos, e por que eles são bons para nós médicos e para os pacientes.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um adendo ao tópico anterior...

Gostaria de agradecer a todos que comentaram meu último post, tanto aqui quanto pelo twitter ou outras vias de comunicação.

Falar sobre a morte sempre provoca discussões, é inevitável. Tinha comigo mais alguns comentários para fazer, mas como o post já estava grande demais optei por me segurar um pouco.

O feedback que recebi do Ricardo (está nos comentários) é extremamente interessante e faz todo o sentido. O jeito que devemos abordar esse tema é pessoal, e muitas vezes temos que “concordar em discordar” da opinião do próximo, seja ele médico, paciente ou familiar.

O oncologista não tem como ignorar a existência da morte. Como disse antes, é a maneira que cada um encara tal problema que vai interferir em muito sua relação com o paciente, em especial com o paciente terminal, mas o fato é que a morte faz parte da vida (sem nenhum paradoxo), e no meu caso em especial, do cotidiano.

Eu odeio “dar” tempo de vida. Existem colegas que “dão” 6 meses, “dão” 2 meses e por aí vai. Cheguei à conclusão que esse tempo não é meu para dar, e é exatamente isso que digo quando me pedem uma previsão. O máximo que consigo é dizer algum valor estatístico, e estatística é exatamente isso: números que falam sobre algo que já aconteceu.

Às vezes a estatística diz 6 meses, e a pessoa falece em 2. Às vezes a estatística é impiedosa e mesmo assim pessoa é teimosa, se cura e vai ganhar o “Tour de France” após uma metástase cerebral, como o herói Lance Armstrong. Já quebrei a cara muitas vezes com previsões estatísticas e sempre torço para continuar quebrando.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Sobre a Morte

Seguindo minha idéia de, primeiramente, falar em “assuntos gerais” da oncologia antes de querer entrar em assuntos mais técnicos como tratamentos e prevenção de doenças, optei por discutir outro assunto que é extremamente difícil para o oncologista e para as pessoas como um todo: A morte.

Quem já leu livros como “Por um Fio”, de Dráuzio Varella, ou “Sobre a Morte e o Morrer”, de Elizabeth Kubler-Ross, já consegue ter uma base do que estou querendo dizer, mas o que quero passar a vocês são, estritamente, as minhas impressões pessoais sobre esse assunto, tão corriqueiro na vida de todos e ao mesmo tempo tão pouco discutido.

Em quase 100% das vezes que digo a alguém que sou oncologista a resposta (que geralmente vem depois de uma careta) é alguma coisa no sentido de “Nossa que coisa triste!” ou “Como vocês conseguem?” ou “Puxa, tem que ser muito frio para conseguir viver como vocês”.

Será verdade? Bem, no meu primeiro ano de medicina ganhamos uma camiseta que dizia “Divinum Opus est Sedare Dolorem”, em Português -- “O mais divino é sedar a dor”. Essa é uma frase muito antiga, e prestem atenção no que ela diz: mais importante é aliviar o sofrimento, e é para isso que estamos aqui. Se conseguirmos curar, se conseguimos salvar alguém, isso é um bônus. A verdadeira vitória e missão do médico, na minha visão, é a de aliviar o sofrimento, feito que conseguimos mesmo nos piores e mais irremediáveis casos. Morrer com dignidade, sem dor, na maioria das vezes é tão importante quanto salvar alguém.

Existe um termo na medicina que se chama distanásia. Diferente da eutanásia, que é a abreviação da vida para evitar sofrimento (com todas as implicações éticas cabíveis), a distanásia é o prolongamento da vida a custo de sofrimento. É a situação onde a morte deveria ocorrer naturalmente, mas o médico, (por ansiedade, despreparo ou negação), opta pela reanimação, entubação, medicamentos, ou outros procedimentos que prolongam a vida, mas sem a previsão de qualquer melhora do paciente. Essa pessoa vai “viver” por mais algum tempo, mas em condições deploráveis, aumentando ainda mais o sofrimento seu e de sua família.

Na oncologia vemos muito disso. Á nossa volta encontramos muitos médicos que se recusam a aceitar que não são Deus e tentam manter a vida a qualquer custo, com os prejuízos que citei acima. A situação ideal é a ortotanásia, ou seja, o reconhecimento das nossas limitações como humanos, e a busca pela morte digna, no seu momento certo, nem antes e nem depois da hora. Muito se discute sobre a ortotanásia hoje em dia, e as leis cada vez mais estão abordando favoravelmente esse tipo de situação, inclusive com o apoio da igreja.

Respondendo agora às perguntas que vivem me fazendo: Como consigo viver assim? Como consigo dormir de noite e não chorar? Primeiramente, o contato com a morte é apenas parte do nosso dia. Com o avanço da medicina cada vez mais os nossos pacientes se curam, e só isso já é motivo para não desanimarmos. Em relação ao problema em questão, eu consigo viver muito bem, não choro de noite e nem deixo de comer nas horas certas. Eu simplesmente não trago a dor do paciente ou de sua família comigo.

Entender a dor do paciente e não senti-la é o segredo dos bons oncologistas e médicos em geral que conheci. Se você sente a dor de outra pessoa você sofrerá junto com ela e não mais conseguirá ajudá-la com a cabeça fria, tão necessária nessa hora. Na residência médica meu amigo uma vez me falou: “Se a pessoa te abraça e chora, é porque ela está vulnerável e precisa de ajuda. Se você chora junto é porque você também precisa de conforto, e sua missão ali é ajudar, e não ser ajudado”. Ter empatia, portanto, para mim é o mais importante. Sofrer junto não ajuda ninguém e em longo prazo estraga a carreira e a saúde de qualquer um.

Essas coisas estão longe de ser fáceis, e realmente não é todo mundo que consegue. Um exemplo é aquele médico que não dá a mínima para o paciente, gosta de dar tempo de vida (“você tem seis meses de vida, tenha um bom dia”), faz consultas curtas e secas. Esse profissional, na minha opinião, é a pessoa mais insegura de todas. Não consegue encarar os sentimentos dos outros e nem os seus próprios, e por isso solta a bomba no colo do coitado do enfermo e fecha a porta do consultório para não ouvir o estouro.

Todo mundo conhece a prece “Deus, dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar coragem para mudar as coisas que eu possa, e sabedoria para que eu saiba a diferença.” Apesar dela estar em oito de 10 frases de Orkut, são poucas as pessoas que realmente buscam serenidade, coragem e sabedoria e elas são para mim, a essência da boa medicina.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Entendendo o SUS

Nunca tentei mencionar isso no twitter porque é um assunto extremamente complicado. Afinal, o que é o SUS na oncologia? A verdade é que temos nas mãos um problema cada vez maior e mais atual, e vou tentar explicar a real situação que vivemos no nosso cotidiano.

Começarei dando um exemplo. A Dona Maria chega ao meu consultório com um câncer de mama operado e que merece tratamento quimioterápico complementar (o que chamamos de adjuvante) para aumentar suas chances de cura. Tenho 3 opções de remédio, a droga “A”, a droga “B” e a droga “C”, todas igualmente eficazes.

Quando faço o pedido da quimioterapia, o valor em dinheiro repassado ao hospital depende de um código que eu preencho em uma ferramenta burocrática que se chama APAC (Autorização de Procedimento de Alto Custo). Esse código NÃO depende da droga que eu escolher e sim da doença da dona Maria. Nesse caso então vou preencher o código “câncer de mama tratamento adjuvante” e não “droga A, B ou C”.

O que isso significa? Bem, cada código paga um valor especifico, e esse valor não muda já faz um bom tempo. Vamos dizer que no caso da dona Maria, seu código vai pagar 500 reais. A droga “A” custa 150 reais, a droga “B” custa 500 reais e a droga “C” custa 750 reais. Eu, que sou o médico sentado na frente da Dona Maria, terei então que escolher qual droga usarei. Se uso a droga A estou dando um lucro ao hospital de 350 reais. Por outro lado se usar a droga B eu empato e se uso a droga C dou prejuízo,

A decisão é razoavelmente fácil se as drogas forem igualmente eficazes. Escolho a droga mais barata, a paciente vai ser beneficiada e o hospital recebe o tão merecido dinheiro, todos estão felizes. O problema vem com a segunda pergunta: e se a droga mais cara é a melhor?

Nessas situações, muito mais comuns que gostaríamos, o oncologista tem que ter algum jogo de cintura. Temos que ter noção que se causarmos prejuízo atrás de prejuízo o hospital quebra, todos perdem. Por outro lado não dá para ignorar aquela pessoa que está sentada na sua frente e ansiosa pelo melhor tratamento que você pode dar a ela. O que fazemos? Se é um caso pontual e o valor não é tão grande, optamos por indicar o tratamento melhor, sabendo que em algum ponto, em algum outro paciente, poderemos optar por algum tratamento que dê lucro, e a situação financeira se balanceará.

A situação piora na medida que a tecnologia e a ciência avançam, e nossa burocracia não: Alguns tratamentos relevantes custam mais de 4 ou 5 mil a DOSE (uns chegam até a 12-15 mil), e seus códigos pagam 500, 600 reais. Se você reclama ao governo, qual a resposta que você recebe? “Sua reclamação não tem fundamento, pois existe um código de APAC para a doença referida.” O que eles esquecem de mencionar é que seu código está muito, MUITO aquém do que custa o remédio.

Quem paga o preço por tudo isso? O governo se exime, dizendo que está dando o tal código. Isso repercute no hospital, que frequentemente é obrigado judicialmente a pagar a diferença da droga, apesar de tal obrigação ser do governo. Acontece que estamos falando dos mesmos hospitais que muito geralmente estão em crise financeira justamente por não receber o dinheiro sofrido do SUS. Esses hospitais por sua vez pressionam os médicos a diminuir os custos, e estes muitas vezes cedem à essa pressão e deixam de mencionar aos seus pacientes sobre a existência de determinadas medicações, passando a andar em uma linha ética muito tênue.

Volto a perguntar: quem paga o preço? Obviamente, o lado mais fraco, que sempre é o paciente. Preso em sua vulnerabilidade pela doença, pela ignorância jurídica e pelo desespero de conseguir alguma esperança, o paciente muitas vezes se vê sozinho contra um inimigo muito maior que ele, tendo apenas o médico do seu lado, que também sofre por conhecer uma medicina muito melhor na sua teoria do que aquela que ele consegue aplicar na prática.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Começando...

Bem vindos!

Em primeiro lugar obrigado por estarem aqui lendo esse blog. Seguindo minha idéia do twitter, que iniciei faz algumas semanas, estou criando esse espaço para poder passar um pouco da minha experiencia na área de oncologia.

Imagino que meus tópicos sempre terão um tom técnico, mas é minha intenção passar também as minhas impressões pessoais e opiniões sobre algumas coisas que encontro no dia-a-dia.

Uma breve introdução: Sou médico oncologista clínico, trabalho em Londrina-PR desde há 2 anos, tenho contato diário com o câncer. Sou envolvido com o trabalho no SUS mas tambem atendo convênios e se tudo der certo nosso centro de pesquisa começa logo e teremos protocolos experimentais em nosso serviço.

Para primeiro post acho que é isso. No próximo vou contar sobre como funciona a burocracia no SUS e os desafios que a gente enfrenta.

Abraços!