quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobre Oncologia e Ciência

Confesso que demorei mais do que esperava para fazer esse próximo post. Nunca imaginei que falar sobre morte é mais fácil que falar sobre ciência para leigos. Basicamente minha intenção será explicar para vocês por que tomamos as decisões que tomamos, seja na esfera terapêutica quanto profilática ou diagnóstica.

Tudo o que fazemos na medicina é baseado em ciência. Nossas decisões, nossos estudos, nossos norteamentos, sempre são embasados em fundamentos científicos. Embora isso possa soar um pouco “etéreo”, esse tipo de raciocínio é o alicerce de qualquer ação tomada no nosso dia a dia

Por que prescrevi a droga A, que faz cair cabelo, em vez da droga B que é um comprimido tranqüilo de tomar? Por que peço apenas uma mamografia anual em uma mulher se na outra peço tomografias trimestrais, ressonância e PET-Scan? Questionamentos assim são freqüentes, especialmente após o paciente ter ficado na sala de espera do consultório comparando seu tratamento com o de outro que estava sentado ao seu lado.

Obviamente essas decisões não são aleatórias, elas vêm de uma linha de raciocínio que é a “medicina baseada em evidências”. Explico: acreditamos naquilo que foi testado, comparado e comprovado. Se perguntam a um cientista se a garrafada comprada na feira cura câncer a resposta ideal é “não sei”, simplesmente porque a garrafada nunca foi testada ou comparada com um tratamento comprovadamente eficaz.

A falta de ciência na tomada de decisões pode variar de inócua a perigosa. Muitas vezes o paciente me diz que parou de tomar o remédio de enjôo porque achou um suco de frutas sensacional que está funcionando muito melhor que o remédio. Existe ciência nisso? A princípio não, mas o tal suco está resolvendo o problema do paciente. Quem sou eu para dizer que o suco não faz efeito?

Por outro lado, não há escassez de pessoas que irão se aproveitar do desespero do paciente para vender milagres, algumas vezes até orientando que se abandone o tratamento com o médico para seguir com o “milagreiro”. Nesses casos eu me posiciono contra, e deixo bem claro minha opinião. Não me incomodo que o paciente faça suas simpatias, siga suas superstições. O que não se pode é abandonar a ciência por completo. Já vi gente pagar um preço alto demais por causa disso.

No próximo post vou falar sobre como são feitos os estudos científicos, e por que eles são bons para nós médicos e para os pacientes.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um adendo ao tópico anterior...

Gostaria de agradecer a todos que comentaram meu último post, tanto aqui quanto pelo twitter ou outras vias de comunicação.

Falar sobre a morte sempre provoca discussões, é inevitável. Tinha comigo mais alguns comentários para fazer, mas como o post já estava grande demais optei por me segurar um pouco.

O feedback que recebi do Ricardo (está nos comentários) é extremamente interessante e faz todo o sentido. O jeito que devemos abordar esse tema é pessoal, e muitas vezes temos que “concordar em discordar” da opinião do próximo, seja ele médico, paciente ou familiar.

O oncologista não tem como ignorar a existência da morte. Como disse antes, é a maneira que cada um encara tal problema que vai interferir em muito sua relação com o paciente, em especial com o paciente terminal, mas o fato é que a morte faz parte da vida (sem nenhum paradoxo), e no meu caso em especial, do cotidiano.

Eu odeio “dar” tempo de vida. Existem colegas que “dão” 6 meses, “dão” 2 meses e por aí vai. Cheguei à conclusão que esse tempo não é meu para dar, e é exatamente isso que digo quando me pedem uma previsão. O máximo que consigo é dizer algum valor estatístico, e estatística é exatamente isso: números que falam sobre algo que já aconteceu.

Às vezes a estatística diz 6 meses, e a pessoa falece em 2. Às vezes a estatística é impiedosa e mesmo assim pessoa é teimosa, se cura e vai ganhar o “Tour de France” após uma metástase cerebral, como o herói Lance Armstrong. Já quebrei a cara muitas vezes com previsões estatísticas e sempre torço para continuar quebrando.